Arquitetos do MMBB falam sobre a última década de arquitetura no Brasil e a necessidade de discutir as cidades

Em conversa com AU, os arquitetos do MMBB falam sobre a última década da arquitetura e do urbanismo no Brasil, sobre ensino, a relação com o governo e as expectativas para os próximos anos
Por Simone Sayegh Foto Marcelo Scandaroli
Fonte: www.piniweb.com.br





O MMBB já atingiu a maioridade. Nascido Via Arquitetura, o escritório paulistano foi formado há 22 anos pelos arquitetos da FAUUSP Marta Moreira, Milton Braga, Fernando de Mello Franco (da esquerda para a direita) e Vinicius Gorgati. Com a saída de Vinicius entra em cena o arquiteto Angelo Bucci, de 1996 a 2002, quando nasce oficialmente o MMBB. O escritório passou pelo inferno na arquitetura brasileira, quando se formou em fins da década de 1980, e hoje acredita que talvez esteja chegando à superfície. O céu ainda está distante, mas não inalcançável. "Não acredito que estejamos em um rumo tão fantástico assim, mas as cartas estão na mesa, há uma chance", acredita Fernando de Mello Franco. Durante essa longa trajetória a academia nunca saiu de suas vidas. A maioria doutores, sempre se dedicaram a lecionar em instituições como as faculdades Bráz Cubas, São Judas Tadeu, a Escola da Cidade e a própria FAUUSP.

Uma forma de atuação sempre presente no trabalho do escritório é o desenvolvimento de parcerias. A mais famosa é com o pritzker Paulo Mendes da Rocha com quem, desde 1995, definiram projetos emblemáticos como o do Centro Cultural Fiesp, o Poupatempo Itaquera e o Terminal do Parque Dom Pedro, todos na cidade de São Paulo. Aliás, o que mais interessa hoje ao escritório é exatamente entender a cidade e suas relações, e propor soluções. "O que importa é discutir o urbano e saber que 90% das pessoas no Brasil moram em cidades", atesta Fernando. A prática é coerente ao discurso: o trio se dedica a importantes projetos como a urbanização Córrego do Antonico (AU 200), na favela de Paraisópolis, e o recente Jardim Edite, projeto de habitação popular em área nobre - ao lado da corporativa Berrini e com vista para a ponte estaiada - desenvolvido em parceria com Eduardo Ferroni e Pablo Hereñú, do escritório H + F. E ainda estão envolvidos na curadoria brasileira da Bienal de Roterdã, que acontece em abril de 2012 e terá São Paulo como uma das cidades analisadas.
Jardim Edite, realizado em parceria com Eduardo Ferroni e Pablo Hereñu (H + F), a pedido da Sehab. O projeto reúne blocos habitacionais com equipamentos sociais instalados no térreo - uma das propostas é a de um restaurante-escola. O objetivo é criar uma dinâmica pública ao rés do chão para evitar muros e gradis que separam calçadas de áreas privativas
Córrego do Antonico (AU 200), na favela de Paraisópolis, em São Paulo, que pretende transformar a relação da população com as águas e inclui infraestrutura para evitar enchentes

O que mais chama a atenção nesta última década em relação à arquitetura brasileira?

Milton Braga O que mais me impressiona é a melhoria da práxis, não da reflexão. Existe um grande número de escritórios jovens fazendo boa arquitetura. Não temos grandes expoentes, como no modernismo, mas temos essa média boa. Algo que no Chile aconteceu na década de 1990 no Brasil aconteceu a partir de 2000. Aumentou a quantidade de informação disponível, mas a formação não é melhor, depende muito da iniciativa de aprendizagem do aluno - e se as pessoas­ estão se formando melhor é porque têm facilidade de acesso à informação. 

Como avaliam o ensino de arquitetura hoje no Brasil? 

Milton Posso falar da FAU, onde leciono: como toda USP, está em crise. O número de professores por aluno diminuiu, a estrutura está sucateada. E a grade curricular, defasada. Existem disciplinas demais - às vezes os alunos parecem fazer parte de uma gincana de cumprimento de tarefas. Não há tempo para a crítica, para reflexão. Fora do Brasil um estudante de arquitetura tem cerca de quatro a cinco disciplinas por semestre, e pode se aprofundar. Mas ainda vejo vantagens no ensino generalista daqui que une projeto, paisagismo, planejamento urbano, desenho industrial e programação visual dentro de um curso. Esse tipo de ensino serve ao modelo de urbanização brasileiro, onde todas as modalidades de projeto interagem.

Fernando de Mello Franco O ensino de arquitetura de toda e qualquer escola precisa ser reinventado. Como ir de um modelo de FAU Maranhão com 30 alunos para seis professores para um modelo de 150 alunos para dois, três professores? E ainda há a grande deficiência de formação do ensino médio. O ensino na faculdade só reflete algo que começa antes. 

É comum o trabalho em parceria de vocês com outros escritórios de arquitetura. Em que casos isso ocorre?

Milton Fazemos muitas parcerias. O projeto do Jardim Edite, da Sehab (Secretaria de Habitação de São Paulo), fizemos com Eduardo Ferroni e  Pablo Hereñú, do H + F, e há casos em que subcontratamos ex-funcionários. Há, ainda, as parcerias com o Paulo Mendes da Rocha. Em um mercado tão imprevisível, os escritórios preferem manter um núcleo duro para quando for necessário, e crescer em determinado projeto. 

Fernando A parceria começou como uma estratégia de sobrevivência, mas se mostrou um modelo contemporâneo e dinâmico. Para a postulação dos Jogos Olímpicos de 2012 o Paulo Mendes montou uma equipe de 40 arquitetos que produziu mais de 1 milhão de m2 de projetos durante 45 dias. Fez isso intuitivamente, mas funcionou perfeitamente. 

Aliás, a maneira de olhar para a pessoa e o profissional Paulo Mendes mudou nesses 22 anos? 

Milton A gente o conhece muito mais agora, é uma grande mudança. O contato nos permitiu ver como não agir de modo preconceituoso, ele tem muita liberdade para pensar. Também é um arquiteto tecnicamente e culturalmente muito importante. Nunca tivemos um conflito, a não ser intelectual, que é o melhor. Existe sempre a troca, e em alguns momentos mostramos problemas sobre o sistema da cidade, que é mais objeto de estudo de nossa geração. Essa parceria traz uma grande vantagem do ponto de vista intelectual.

Existe uma arquitetura brasileira hoje? É possível defini-la de alguma forma, com algum conceito?

Milton Não penso se existe uma arquitetura brasileira. Penso sobre o que é oportuno, ou não, fazer no Brasil. O Bilbao é bom em Bilbao mas não aqui. Fazer uma ponte em Paris, quando se tem 15 pontes ao mesmo tempo, requer que o projeto traga uma nova informação para um lugar que já tem muitas. Agora, fazer uma ponte monumento na Marginal Pinheiros, que tem uma ponte a cada 2 quilômetros é ingenuidade, porque essa ponte não será nada além de uma ponte. As pontes do Lelé em Salvador são acertadas pelo processo construtivo racionalizado, que ele pensou para fazer 30 pontes iguais. A Millennium Bridge do Foster é muito acertada porque naquele trecho tem uma ponte a cada 300 metros. Mas não dá para pegar a Millennium e trazer aqui, ou levar as pontes do Lelé para lá: o projeto do Foster é muito mais uma celebração do milênio do que uma ponte, é uma folia na cidade, um monumento. Ao passo que em Salvador não. No Brasil, os problemas são tão evidentes que fica difícil não discuti-los de frente. 

Fernando A questão não é estar no Brasil ou ser uma arquitetura brasileira, e sim quais são as questões brasileiras de arquitetura. 

E então, um arquiteto com um mínimo de sensibilidade está apto a projetar em qualquer ­lugar do mundo...

Milton Quando Frank Gehry foi chamado para fazer o Guggenheim no Rio, ao chegar na cidade, com toda aquela paisagem marcante, achou que o Rio não precisava de um Guggenheim, mas talvez fosse interessante um edifício de peso simbólico e econômico no meio da favela. Ou seja: pensou a cidade e viu o que seria inteligente fazer. 

Fernando Pouco importa o arquiteto, desde que tenha capacidade intelectual. Não estou condenado a fazer arquitetura no Brasil só porque nasci aqui. Não é uma questão de identidade.

É possível segmentar a arquitetura brasileira hoje como já existiram as escolas paulista e carioca, por exemplo? Ou isso não está mais em consideração? 

Fernando Estou mais preocupado em voltar a conversar com outras disciplinas e ser escutado, do que saber sobre as características dessa ou daquela arquitetura. O que importa se é escola paulista ou carioca? O importante é discutir a cidade. São Paulo foi uma cidade industrial que se transformou. Essa passagem torna a discussão do concreto aparente ou não aparente, brutalista ou não brutalista, carioca ou paulista interessante dentro da disciplina. Mas não sei se interessa ao diálogo com outras disciplinas e com a sociedade. Há outras questões envolvidas. 

Milton No Brasil não há o costume de discutir a cidade. A FAU não tem uma disciplina de projeto urbano, de desenhos de praça, transporte público, calçada, iluminação pública. Essa é a contribuição mais importante dos arquitetos.

Como enxergam a produção arquitetônica brasileira ligada ao mercado imobiliário? 

Fernando O mercado continua praticando conforme a moda. Os mesmos arquitetos que estavam fazendo neoclássico há cinco anos agora são promovidos como arquitetos contemporâneos. Mas estamos condenados a trabalhar para o mercado. Mesmo as intervenções na favela começam pela regularização fundiária, ou seja, é inseri-los no mercado imobiliário. 

Milton Uma cidade mais coletiva às vezes vai contra os interesses do mercado. A cidade mal regulada e um mercado voraz é ruim. Mas o mercado também constrói a cidade...
 

A prefeitura de São Paulo tem se

aproximado dos arquitetos.

Essa aproximação é momentânea ou pode ser o início de uma

mudança cultural?

Fernando A questão não é só da administração, mas de um novo contexto socioeconômico que, parece, irá se perpetuar. A partir dos anos de 1950 tivemos um boom de urbanização com taxas elevadas de crescimento populacional, e na década de 1980, taxas absurdas de inflação. Hoje temos uma taxa de crescimento populacional em declínio e uma economia estabilizada: o planejamento passa a ser possível. 

Milton Mas ainda falta muito para a arquitetura se consolidar. É comum um gestor abandonar o que o anterior fez, ou discutir problemas partidários, da pequena política, em vez de realmente gerir a cidade. Os projetos que importam acabam sendo feitos no afogadilho. Nosso escritório demorou um ano para assinar um contrato público mas temos somente três meses para fazer o projeto. A cultura de projeto foi desmontada com a inflação, e ainda falta investimento. Mas o mundo está mudando rápido. A nossa sorte é que todos vão querer discutir as cidades, porque todo mundo vai viver nelas. 

E fora o âmbito municipal, como veem a relação entre governo e o planejamento urbano?

Fernando Há o desastre do programa Minha Casa, Minha Vida, baseado na maior quantidade de unidades por menos investimento; há as cidades sem urbanismo no interior do Brasil. E a questão das novas hidroelétricas no Norte do País mostra que não dá para colocar o trabalhador para morrer de meningite, como nas obras de infraestrutura do passado. Muitos projetos pioraram, como o das estações de metrô. A questão é: temos uma pauta? Temos ou não temos uma agenda? Na década de 1950, a arquitetura se identificou com o Estado em momentos importantes do projeto de um país. Nas últimas décadas perdemos essa ligação e agora voltamos a ter esperança. Se vamos surfar bem essa onda não sei, mas há a oportunidade de propor uma pauta.

Falta debate sobre planejamento urbano no Brasil - e é o que, de alguma forma, a Bienal de Arquitetura em Roterdã incentiva. Como seguir esse caminho e aumentar o debate e as propostas - e, principalmente, as ações - por aqui? 

Fernando A discussão da Bienal de Roterdã coloca a cidade como oportunidade. A cidade não é um problema. Um modelo de cidade compacta baseada em transportes coletivos não poluentes é muito mais eficiente do que um modelo de cidade difusa com grandes espaços que necessitem grandes deslocamentos. O discurso do Lula em 2008, com a crise do subprime norte-americano, e da Dilma agora apontam os investimentos do PAC para infraestrutura e habitação como forma de se resguardar da crise: a produção da cidade é uma estratégia para se proteger de uma crise econômica e política. 

Milton As discussões sobre a cidade são malucas, revelam pouco conhecimento. As associações de moradores embargam obras de metrô, por exemplo. Ou emperram a venda de novos cepacs (potencial construtivo) na região da Faria Lima - região na qual, em tese, é melhor que mais pessoas vivam em espaços menores porque, ao contrário do que se pensa, os deslocamentos são menores. Mas na microescala essa lógica não aparece com clareza, as conversas são restritas e mal-informadas. Isso não é culpa da população, mas dos arquitetos que não ajudam no debate. 

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