Criador do teleférico do Alemão se diz 'fazedor de conexões' enquanto muda a cara de comunidades do Rio

Artur Xexéo (axexeo@oglobo.com.br)





RIO - Na manhã de quarta-feira da semana passada, Jorge Mario Jáuregui viajou, pela primeira vez, no teleférico do Complexo do Alemão. Ao esbarrar, na Estação Adeus, com um grupo de adolescentes, não resistiu e fez a abordagem: "Já andaram no teleférico?" Mostrou-se satisfeito quando elas disseram que tinham aprovado o novo transporte. Durante o trajeto, quando, incidentalmente, o veículo ficou parado por alguns minutos, entre as estações Itararé e Palmeiras, tentou justificar o calor que fazia. "Em movimento, o sistema de ventilação funciona bem. Parado, porém, o calor é infernal. Era preciso ter ar-condicionado, mas faltou dinheiro."
Flamenguista e mangueirense
No caminho, conversa com uma família do Catete que foi conhecer a obra, reconhece uma equipe da televisão coreana que faz reportagem no local, aponta decepcionado para um espaço vazio e reclama: "Ali estava projetado um café..." No ponto final, na Fazendinha - ele insiste em chamar a estação de Fazendinha, como é conhecida a região, embora o painel indique o batismo oficial de Estação Palmeiras -, estranha a música ambiente. Ao fundo, toca um folk americano, música típica de qualquer metrô do mundo ou de elevadores de prédios comerciais. "A música deveria ser mais localista", conclui, revelando que o português não é sua primeira língua. Por exemplo? "Marcelo D2", responde rápido.







Jáuregui (o sobrenome é de origem basca) não é um passageiro qualquer. Naquela quarta-feira, o teleférico transportava o arquiteto que o projetou. É ele o autor do veículo que, ao lado de conjuntos habitacionais, praças e, principalmente, a presença do Exército antecipando a instalação de mais uma das Unidades de Polícia Pacificadora da cidade, está mudando a vida dos 80 mil moradores do Alemão.
O teleférico é apenas a mais vistosa das intervenções que Jáuregui tem feito na paisagem da cidade desde que, há 30 anos, ao lado da mulher e do primeiro filho (o segundo já nasceu aqui) fugiu da ditadura militar argentina (ele nasceu em Rosario) em direção ao Rio. É tempo suficiente para ele afirmar com orgulho:
- Torço pelo Flamengo e pela Mangueira. Ganhei meu direito de cidadania carioca. O Rio é um grande laboratório, e tenho o privilégio de habitar nesta cidade. Habitar, no sentido heideggeriano, no meio da natureza.
A citação a Heidegger mostra uma faceta peculiar de Jáuregui: seu interesse por filosofia é quase tão grande quanto o que nutre pela arquitetura.
Ele olha descrente para Botafogo, o bairro em que mantém seu escritório, o Metropolis Projetos Urbanos (MPO):
- Desde que estou lá, há dez anos, Botafogo só vem sendo destruído. Não tem um só edifício de qualidade.
E olha com humor para a Urca, o bairro onde mora desde que chegou à cidade.
- Sou conhecido no exterior como "o arquiteto das favelas" e moro no único bairro da cidade que não tem uma única favela.
Morro do Fubá e Rio das Pedras
O epíteto vem de seu trabalho no Favela Bairro, que acabou lhe valendo, na década passada, uma exposição de seus projetos no Museu de Arte Moderna de Nova York e o prestigioso prêmio Veronica Rudge Green para Design Urbano, da universidade americana de Harvard. Jáuregui foi o único sul-americano a receber o prêmio que já foi entregue a arquitetos de destaque como o português Álvaro Siza Vieira.
Na primeira fase do Favela-Bairro, ainda nos anos 90, ele projetou mudanças no Vidigal, na Fernão Cardim, no Morro do Fubá e na Rio das Pedras.
- Foram os melhores anos do Favela Bairro - avalia. - Eu e toda uma geração de arquitetos aprendemos muito. Descobri que a favela era um campo de pensamento.
Muito desse pensamento, Jáuregui aplicou no projeto que deve ser entregue à cidade até o fim do ano: a rambla de Manguinhos. Ele chama de rambla porque não esconde a inspiração nas ramblas de Barcelona. Mas, brasileiramente, poderia ser batizado de calçadão de Manguinhos, uma intervenção que pretende terminar com a má fama de uma região, que foi apelidada pela crônica policial de "faixa de Gaza".
O Complexo de Manguinhos tem suas favelas divididas pelo muro que margeia a linha férrea do ramal de Saracuruna da SuperVia. O muro é a "faixa de Gaza", que divide as facções criminosas dos dois lados do Complexo. Pois o projeto de Jáuregui derruba o muro, eleva a linha férrea, e, no espaço sob o novo elevado, cria um enorme calçadão (ou rambla) arborizado que une a Estação Manguinhos, reformada, ao que está sendo chamado de Centro Cívico, uma série de equipamentos, a maioria utilizando armazéns desativados, que já vem dando vida nova à comunidade, como uma biblioteca, uma escola profissionalizante, o Centro de Geração de Trabalho e Renda, um centro de apoio jurídico... No papel, é um espetáculo!
O arquiteto cita outro filósofo para definir seu trabalho:
- Para Henri Lefebvre, a cidade é a projeção social da sociedade sobre o terreno. Hoje, a função social de um arquiteto urbanista é prestar serviço ao cliente pensando no conjunto - na casa, no edifício, no bairro, na cidade. A função do arquiteto é articular diferenças. Ele é um fazedor de conexões.
Não há melhor lugar para "articular diferenças" do que numa favela. Jáuregui gosta do apelido que ganhou.
- Me dá muito prazer ser o arquiteto das favelas. Hoje em dia, é um privilégio. E não tem nada a ver com desenhar favelas. Tem a ver com pensar o formal e o informal.
Jáuregui busca outro de seus interesses, a psicanálise, para entender o que faz:
- A psicanálise acrescentou à minha prática arquitetônica a escuta da demanda. Mas não para respondê-la, e, sim, para interpretá-la. Isso vale tanto com o cliente individual quanto com a favela. Especialmente com a favela.
Limitar o trabalho de Jáuregui a seus projetos em favelas não corresponde à sua ação na cidade. Ele esteve, por exemplo, entre os arquitetos que renovaram a cara da Zona Sul com o Rio Cidade. Foi responsável pelas mudanças no Catete.
- Estou decepcionado com a não manutenção do que se fez - lamenta, lembrando que não estão mais lá as árvores que foram plantadas para dar mais cor ao bairro.
No passeio ao Morro do Alemão, o arquiteto passou por um conjunto habitacional, daqueles que eram feitos pelo BNH na década de 70, e não escondeu suas críticas:
- São depósito de gente.
Terapia da varanda
A visão o fez recordar a fonte de inspiração dos conjuntos residenciais que criou para o Alemão e Manguinhos. Na primeira inauguração do teleférico - já houve duas, mas o sistema continua funcionando em fase experimental -, o presidente Lula conheceu o protótipo das residências que seriam construídas ali. Era um sobradinho, com sala e cozinha no térreo, e dois quartos e banheiro em cima. Um dos quartos, tinha uma varanda. Lula saiu do protótipo elogiando a varanda, que serviria como refúgio para o trabalhador que chega em casa cansado e já ouve bronca "da patroa". Na varanda, ele fumaria um cigarrinho, olharia a paisagem, esfriaria a cabeça, ficando pronto para voltar e resolver todos os problemas domésticos.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/07/31/criador-do-teleferico-do-alemao-se-diz-fazedor-de-conexoes-enquanto-muda-cara-de-comunidades-do-rio-925024697.asp#ixzz1Tgww3ynR © 1996 - 2011. Todos os direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. 
This entry was posted in .